O Haiti encontra-se, desde estas últimas semanas, à beira da ingovernabilidade. A instabilidade política aliada à violência dos gangues armados que controlam a grande maioria do país e exigem a demissão do primeiro-ministro Ariel Henry e do seu executivo.
A situação não é recente e remonta, mais propriamente, à sua independência, no início do século XIX, quando se libertou do controlo francês, tornando-se a primeira república pós-colonial em que eram consagrados direitos para todos, independentemente da cor da pele. Desde então, o país enfrentou grandes dificuldades de desenvolvimento e de garantia do bom funcionamento das suas instituições democráticas, com casos de corrupção a serem recorrentes, o que também contribui para que este país seja o mais pobre do hemisfério ocidental.
A história política do Haiti tem sido marcada por vários golpes de Estado, intervenções externas, nomeadamente dos EUA, por um regime ditatorial que vigorou entre 1957 e 1986 e por constantes crises de instabilidade governativa, maioritariamente ligada a corrupção, que levou à criação de uma missão de manutenção da paz após o presidente em funções, Jean-Bertrand Aristide, ser deposto. A missão, conhecida como Missão de Estabilização da ONU no Haiti (MINUSTAH) tinha como objetivo a mobilização de forças de manutenção da paz para ajudar a restabelecer a lei e a ordem no país.
O Haiti tem também a própria natureza contra si. A sua localização geográfica torna o país propenso a desastres naturais muito frequentes, como o violento sismo de 2010 que vitimou quase meio milhão de pessoas e destruiu grande parte da capital. Após este, seguiu-se uma grande seca que diminuiu a produção agrícola em 70%. Um furacão em 2016 e um novo sismo em 2021, seguido de uma tempestade tropical, pioraram a já frágil situação do Haiti que, desde aí, vive mergulhado numa inconstante instabilidade social, económica e política, piorado pelas catástrofes naturais que tornaram a recuperação do país uma tarefa quase hercúlea, dado que, mais de uma década do violento sismo, a reconstrução da capital Port-au-Prince, está longe de estar concluída.
As epidemias doenças contagiosas, como a cólera e algumas outras trazidas pelas forças de manutenção da paz são outra ameaça severa à vida dos haitianos, num país que se apresenta como um verdadeiro terreno fértil para a sua propagação, dadas as pobres condições sanitárias e toda a conjuntura de pobreza extrema que atinge o Haiti, onde cerca de 85% da sua população, que ultrapassa os 11 milhões, é atingida pela pobreza e quase metade sofre de enorme privação de comida, segundo aponta a ONU.
A atual crise de violência e os protestos aumentaram desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse em 2021, o que resultou numa grave crise de segurança, caracterizada por uma governação falhada. Sob o seu governo, foram imensas as acusações direcionadas ao próprio presidente e ao executivo de abuso de poder e repressão da oposição, através de colaboração com alguns dos gangues.
O pior cenário verifica-se na capital, Port-au-Prince, onde estes gangues armados controlam mais de 80% da cidade, com uma polícia em menor número e desarmada. Em 2023, entre janeiro e meados de agosto, mais de 2.400 pessoas foram mortas, aumentaram os relatos de sequestros de mulheres e crianças, bem como casos de extorsão, roubos e violência sexual. Como resultado da ineficácia das agências de aplicação da lei e do aumento de casos de vigilantismo, o Conselho de Segurança da ONU autorizou a mobilização de uma força de segurança multinacional liderada pelo Quénia para ajudar a polícia haitiana a restabelecer a ordem pública e a combater a violência dos gangues.
Com a morte de Moïse, o vácuo de poder é ocupado por Ariel Henry, empossado como primeiro-ministro pouco depois do assassínio e, logo a seguir, como Presidente interino. A sua ascensão teve apoio internacional, com a promessa de que seriam marcadas eleições que, após três anos, ainda não foram anunciadas, sob a justificação de não estarem reunidas as condições de segurança que garantam a legitimidade dos resultados eleitorais.
Além de suspeitas de ligações a gangues e até mesmo ao assassinato do ex-presidente, o facto de não tendo sido eleito faz com que a sua governação seja vista como ilegítima no país e tem aumentado a violência dos gangues, liderados por um ex-polícia haitiano, Jimmy Chérizier, conhecido como “Barbecue”. Foi constituída uma “coligação” de vários gangues poderosos, intitulada “Vivre Ensemble” (viver em conjunto) que pela voz de Chérizier elencou as suas exigências: “Se Ariel Henry não se demitir, se a comunidade internacional continuar a apoiá-lo, iremos direitos para uma guerra civil que irá acabar num genocídio”.
Gangues armados controlam a maioria do país (Fonte: WLRN)
A situação está insustentável no Haiti, e países que outrora intervinham nesta pequena nação caribenha mostram-se agora relutantes em regressar ao Haiti, como é caso dos EUA, que apelam ao primeiro-ministro haitiano que faça cedências para bem do povo. A solução que a comunidade internacional vê como mais viável passa por uma intervenção militar robusta e rápida para erradicar a cultura de violência e medo que reina neste país controlado por grupos rebeldes armados, enquanto a renuncia do primeiro-ministro é eminente e pode fazer o país mergulhar num caos extremo.
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