A imagem de piratas que os filmes de Hollywood nos habituou, é bem diferente da realidade. Pouca ou nenhuma fantasia existe, e muito menos um precioso tesouro por ser encontrado, mas sim, grupos organizados, devidamente financiados e que prejudicam diariamente rotas comerciais e inclusive, atualmente, com um papel relevante no conflito Israel-Palestina, implementar uma mentalidade territorial e abater alvos em troco de dinheiro ou interesses já não é coisa do passado. Vejamos detalhadamente o impacto que o ressurgimento destes grupos teve nas mais diversas decisões políticas e como tem criado uma certa instabilidade estratégica no palco internacional.
A pirataria foi tipicada pela convenção das Nações Unidas sobre o direito do Mar em 1983, como sendo «qualquer ato privado de violência praticado am alto mar ou fora da jurisdição de qualquer estado», o que significa que ataques a navios no porto ou dentro de águas territoriais de um Estado não são vistos pelo direito internacional como pirataria, o que acaba por levantar importantes implicações legais no que se refere à repressão dos atos violentos praticados no mar, já que a atuação dos Estados sobre esta matéria deve ser devidamente aplicada, tanto para a defesa do Estado, dos seus recursos, como para a contribuição do bom funcionamento da espaço internacional mas, realisticamente, do ponto de vista estatal, os Estados não teriam obrigação em abater estes navios piratas, já que não estão dentro de águas territoriais, ainda assim, qualquer nação tem o direito de acionar aeronaves e navios de guerra para combater estas forças. Já o roubo armado contra navios, enquanto ato praticado no porto ou em águas territoriais, é um problema criminal que deve ser tratado de acordo com as leis específicas do Estado onde acontece o ataque, o que acaba por refletir na anulação do direito por parte do Estado de perseguir e aprisionar a embarcação pirata caso regresse para águas internacionais. Complicações burocráticas que não facilitam em nada a resolução do problema.
Não é ingénuo afirmar-se que o ressurgimento dos piratas do Mar vermelho não veio ao acaso, já existia um problema, que foi recentemente reativado ou, pelo menos, impulsionado dadas outras motivações extras, representando um papel muito mais significativo desde o início da guerra do oriente que atravessamos, arriscando mesmo a afirmar que já não operam de forma autónoma, isto é, têm outras motivações para atacarem alvos específicos, conduzidos e financiados por Estados autónomos. Os rebeldes Houthis dispararam mísseis contra um navio militar americano no Mar vermelho no início desde ano, um ataque em forma de retaliação do grupo rebelde Xiita, aliada do Irão, desde que os Estados Unidos da América e o Reino Unido bombardearam instalações do grupo no Iêmen. Desde então, pelo menos 4 navios cargueiros já foram sequestrados, resultado de uma colaboração com os piratas da somali e o grupo Houthi em apoio ao grupo fundamentalista islâmico Hamas, ataques com drones e mísseis lançados a partir do sul da península Arábe, na cidade de Eilat, sul de Israel passou a ser recorrente, muito justificado também pela procura de um reconhecimento mais amplo como parte do eixo de resistência liderado pelo Irão, a própria milícia Houthi afirmou que tem como alvos todos os navios que acreditam estarem a chegar a Israel ou a sair de Israel, sendo os únicos cargueiros com passagem livre no Mar Vermelho os que levam ajuda humanitária até à faixa de Gaza. Desde então, já se registaram cerca de 300 ataques a embarcações internacionais. A combinação dos ataques da marinha do grupo Houthi com os piratas da Somália influenciaram fortemente o tráfego marítimo no oceano indico, no Golfo de Aden, no Mar vermelho e no mediterrâneo, obrigando aos navios comerciais a tomar uma rota mais longa à volta de África. Evidentemente, os impactos têm sido devastadores, um decréscimo record de 42% no próprio tráfego marítimo, já que Estados e empresas privadas não querem arriscar (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, 2023). Para além disto, desde o início deste ano que o próprio valor das taxas de embarcação de certas distribuidores internacionais duplicou. Uma verdadeira epidemia que influência o tráfego marítimo e o conflito armado no Médio Oriente através de ataques diretos a ajuda humanitária e segurança internacional, e como se não bastasse, é estimado que os piratas Somália tenham arrecado entre 500 a 700 milhões de dólares desde 2012 com estes ataques.
Tendo isto em conta, que soluções nos resta? No início de fevereiro deste ano, o pentágono anunciou a formação de uma “coalização militar” composta de dez países (EUA, Reino Unido, França, Espanha, Itália, Holanda, Canadá, Noruega, Bahrein e Seychelles), numa operação denominada de “operação guardião da prosperidade”, visa garantir a segurança e a liberdade de navegação no Mar vermelho. Atuará sobre a égide da força naval internacional das forças marítimas combinadas, que conta já com 39 membros, incluindo Portugal dedicado a proteger o fluxo de comércio. Uma solução bélica e selvagem para um problema bélico e selvagem, responder fogo com fogo num cenário de desespero que, se prolongar, irá ter consequências ainda mais devastadoras no conflito israealista onde, os principais sofredores serão as populações locais e a dignidade humana. A pirataria no Mar vermelho, e não só, é um problema de todos, nem que seja porque trata-se de água internacionais e uma crise humanitária emergente que afeta a todos nós.
Figura 1. Imagem meramente representativa, não traduz a realidade
Comments