Historicamente, a política externa, entre outras matérias, foi elaborada de homens para homens, até hoje ainda se manifestam sequelas desta dominação patriarcal nas instituições políticas e diplomáticas, já que apenas 20% dos embaixadores/as do mundo são mulheres e, a nível nacional, mulheres são 32% dos diplomatas e apenas 11% são embaixadoras. A política externa feminista mostra-se promotora de igualdade, já que coloca como uma prioridade a garantia dos direitos das mulheres e outros grupos margilanizados, e ainda, uma melhor mediação de conflitos, pois as ações e soluções apresentadas irão abranger um maior número de pessoas.
Apesar de estarmos a viver uma terceira onda do feminismo, as questões sociais e os papéis de género tradicionais ainda se colocam em causa quando se fala da carreira profissional das mulheres. Em áreas como as STEM e cargos políticos e diplomáticos existe uma falta de role models femininos que inspire as mulheres a seguir essas carreiras, além do mais, o papel tradicional – não ultrapassado e forçado pela sociedade – da mulher como cuidadora e o homem como provedor representa para muitas uma escolha entre a sua carreira e a sua vida familiar, tanto no que toca ao parceiro, quanto aos filhos.
A adoção de uma política externa feminista pela Suécia, em 2014, marcou o início da mudança e evolução na carreira diplomática e internacional de várias mulheres suecas, bem como inspirou os restantes Estados ocidentais a repensar na sua política externa e em políticas públicas que alcancem a igualdade de género. Esta realmente mostrou resultados numéricos, sendo que 43% das suas representações externas são mulheres e no parlamento atingem quase paridade (48% dos deputados são mulheres).
Atualmente, Estados como a Suécia, Espanha, França, Canadá e México são os únicos a adotar uma política externa feminista e todos instrumentalizam o conceito de género de maneiras distintas. A política externa feminista canadense está consagrada na Feminist International Assistance Policy, que apenas tem o objetivo de desenvolvimento, através do empoderamento feminino, e assistência humanitária, através do apoio financeiro a organizações locais pela igualdade de género para que estas conscientizem a população sobre os papeis de género e que leve a transformações sociais. Já em França o foco é a ajuda externa, muito associada à violência doméstica e sexual, o acesso à educação e o poder económico. Em 2021, o primeiro ministro espanhol, Pedro Sánchez, apresentou a sua política externa feminista “com o objetivo de tornar transversal a questão da igualdade de género e de direitos das mulheres em toda a política diplomática e de relações internacionais do executivo”, além do mais, Espanha mostra-se vanguardista no que toca a legislação inclusiva a mulheres e pessoas da comunidade LGBTQIA+.
Margot Wallström, Ministra sueca dos Negócios Estrangeiros de 2014-2019, introduziu este modelo de política externa feminista tendo como base científica o facto de quanto mais alto o índice de igualdade de género, menor é a probabilidade conflito político e militar, insegurança alimentar e extremismos, considerando o feminismo como essencial para o desenvolvimento humano. A política externa implementada pelo governo sueco mostra-se importante na resolução e pacificação de conflitos geopolíticos, nos quais mulheres e crianças são vistas como alvos e são mais vulneráveis devido à violência direcionada a estes grupos sociais, salientando a importância da interseccionalidade na política e relações internacionais. A Suécia, ao longo dos dez anos da implementação deste modelo, ajudou 90 comunidades a abandonar a prática de mutilação genital feminina e ajudou diversas mulheres a terem acesso ao aborto de forma segura após o governo de Trump cortar o financiamento externo para essas causas. Ainda assim, apesar das políticas feministas levadas a cabo pela Suécia, esta continua a exportar armas para a Arábia Saudita, um país débil em termos de direitos das mulheres e liberdade.
Portugal reúne condições para inicar uma transição para uma política externa feminista, no entanto os resultados dos concursos de ingresso na carreira diplomática mostram-se contra as mulheres. Alguns fatores sociais e institucionais são específicos no que toca ao caso português: conservadorismo no que toca às raízes da diplomacia, feita de homens para homens; a falta de importância científica dada a este tema, o que impede alcançar as melhores soluções; a falta de formação dos funcionários públicos no que toca às perspectivas de género. Sendo assim, é necessário definir objetivos teóricos e práticos que promovam a participação feminina em cargos diplomáticos, a proteção dos direitos das mulheres e a ação externa.
A política externa feminista representa o futuro e uma forma de atenuar cada vez mais as disparidades de género, contudo, embora seja intitulada de feminista este modelo encontra-se aquém do que realmente podia ser e alinha-se com o feminismo liberal. Esta vertente não vai contra a sociedade capitalista e patriarcal em que vivemos, é algo individualista, o que pode acabar por perpetuar a opressão vivida por diversas mulheres, mostra-se então necessário a escolha de mulheres diplomatas verdadeiramente interessadas pela luta feminista.
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