Parece certo afirmar que o Fim da História e a Paz Perpétua Kantiana, pós Guerra Fria, sobreviveram apenas três décadas. De facto, nem todos os países são democracias liberais capitalistas nem a desmilitarização ocorreu. Fruto da invasão, das declarações de Donald Trump, encorajando a Rússia a invadir os países da NATO que não invistam 2% na defesa, e do reconhecimento de que o paradigma de subinvestimento é impraticável, a União Europeia e os Estados europeus alertaram-se para a urgência da situação e para o facto de que a ordem liberal internacional está fragilizada, repensando as políticas de defesa, nomeadamente as militares. Os sucessivos pedidos de adesão à NATO confirmam esta tendência, hiperbolizada pela adesão da Suécia, um país que se pautava pela neutralidade.
Mas que desafios enfrenta especificamente? A nível nacional, destacam-se os exércitos europeus. Fruto da mudança de valores entre os jovens, há uma menor predisposição destes para ingressar na atividade militar. Não o bastasse, a demografia e os baixos salários também constituem obstáculos.
Olaf Scholz, chanceler alemão, anunciou que a Alemanha, motor económico europeu, iria alocar os 2% do PIB exigidos para a defesa, valor inatingido desde 1990, sendo que rondava em 2022 1,46%. Todavia, o cumprimento desta meta deve-se ao fundo especial de 100 mil milhões de euros, que a permitirá manter até 2028. Após essa data, será preciso criar um novo fundo ou aumentar o orçamento anual da defesa, atualmente nos 52 mil milhões de euros, em cerca de 25 a 30 mil milhões. E o governo só terá margem de manobra se conseguir suspender o “debt brake”, introduzido em 2009 para garantir que a Alemanha não caía em défice, apenas superável face a situações de emergência. Logo, Olaf Scholz terá de convencer o parlamento alemão de que a Rússia, o futuro da NATO e a possível eleição de Donald Trump constituem ameaças.
No caso polaco, o Presidente Andrzej Duda declarou que o país está disponível para receber armas nucleares da NATO. As ameaças de Putin, envolvendo uma guerra nuclear, compeliram o país a instalar abrigos anti bombas sobretudo na capital, Varsóvia, ainda que recentemente Putin tenha afirmado não invadir nenhum país pertencente à NATO. A Dinamarca, seguindo os passos da Noruega e da Suécia, introduziu o serviço militar obrigatório para as mulheres, visando reforçar a defesa nacional em dois ramos: forças armadas e defesa área. A duração do serviço será igualmente aumentada para onze meses. No caso português, a ex Ministra da Defesa considera que o serviço militar obrigatório não merece ainda discussão, enquanto o Almirante Gouveia e Melo e o Chefe do Estado-Maior do Exército, Eduardo Ferrão, sim. Já o Reino Unido tem sofrido desde 2010 com um corte no investimento das suas forças armadas, feito à altura para reduzir o défice, gastando atualmente poucas décimas acima dos 2% estabelecidos pela NATO. Este défice, somado à incapacidade das forças militares do Reino Unido destinarem o treinamento e os recursos suficientes para uma guerra de alta intensidade, mais a pressão insustentável sobre o pessoal, contribuíram para a não retenção de militares, que se alastra ao recrutamento de civis.
A nível supranacional, a Comissão Europeia apresentou uma Estratégia Industrial Europeia de Defesa, tal como o Programa Europeu de Investimento em Defesa, que conta com um fundo de 1,5 mil milhões de euros, visto como um primeiro incentivo. Todavia, reconhece-se algum recato às atuações da União Europeia, tendo em conta que a defesa é uma política de competência nacional. Thierry Breton propôs outro fundo de 100 mil milhões de euros para a indústria de defesa europeia, mas que dificilmente será concretizado, apelando ainda à aquisição de armas a indústrias europeias.
Contudo, apenas um aumento do orçamento para a defesa não é suficiente face à ausência de uma verdadeira cooperação europeia. Os problemas políticos, como a dificuldade em integrar e fazer os Estados cooperarem em matéria de defesa, persistem. Somam-se os problemas estratégicos e de especialização, assentes na desconfiança entre Estados, que não querem ficar dependentes entre si. A NATO, por exemplo, obteve sucesso ao optar pela coordenação e interoperacionalidade.
Face ao escalar da guerra, Karel Lannoo, chefe executivo do Centro de Estudos de Política Europeia desde 2000, destaca a insuficiência da atuação da Agência Europeia de Defesa, dizendo ser premente o estabelecimento de um mercado único europeu de equipamentos e defesa, harmonizando estes padrões. Para o concretizar, é necessário rever os tratados, atribuindo maior competência à União Europeia na defesa, caminhando assim para uma política comum de integração. Igualmente contribuiria para uma Europa mais autónoma no seio da NATO, reforçando a defesa europeia, como defendido por ambas as organizações. Somam-se a esta ausência de planeamento militar e de aquisição conjunta, a não previsão de um exército europeu nos tratados da União Europeia. Isto justifica que não se avance para um exército europeu, defendido por Angela Merkel e Emmanuel Macron em 2018 e mais recentemente por Antonio Tajani.
Feito o apanhado, são visíveis as dificuldades que a Europa enfrenta em matéria militar e de defesa, havendo um consenso de que o assunto urge na agenda da União Europeia e dos seus Estados Membros, mas sem um plano claro e único de como concretizá-lo.
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