A travessia através do mar a norte de África para chegar até à Europa pode parecer o vislumbre de uma vida melhor para alguns migrantes africanos, contudo este percurso não é facilitado pelos países de destino, e chega até a ser uma sentença de morte escrita nas águas impiedosas do Mediterrâneo.
Homens, mulheres e crianças à procura de uma nova forma de subsistência arriscam as suas vidas diariamente, e quando partem, as famílias raramente recebem retorno. Todas estas travessias são permanentemente analisadas por uma ONG espanhola, Ca-minando Fronteras, que procura alertar para as vidas perdidas nos vários caminhos utilizados pelos migrantes, e que luta pelos direitos dos mesmos.
Localizada entre a costa espanhola e marroquina, encontra-se a primeira rota marítima escolhida para atravessar o mar mediterrâneo, destacando-se também por ser a mais curta. Com uma distância de apenas 15km entre a costa de Tanger em Marrocos, e de Algeciras em Espanha, é possível atravessar o Estreito de Gibraltar.
Contudo, mais do que uma crise humanitária, a enchente de refugiados na costa espanhola tem vindo a tornar-se, desde 2021, uma arma política de peso, operacionalizada por Marrocos, para que o país europeu altere a sua política externa, no que concerne à problemática da independência do território do Sahara Ocidental. Após a entrada do líder do movimento independentista saharauí, Frente Polisário, Brahim Ghali, num hospital espanhol, Marrocos fez sentir o peso de todas as relações bilaterais entre os países vizinhos, reduzindo as medidas de segurança fronteiriças e deixando que milhares de migrantes, muitos deles menores, atravessassem o estreito em direção a Espanha, através da fronteira de Ceuta.
Este jogo de vidas é retratado no relatório apresentado em 2023, pela ONG espanhola, denominado “Direito à vida”, onde a mesma explora o papel da política externa espanhola na negligência apresentada aos milhares de migrantes, através de mecanismos evasivos para que os mesmos não sejam acolhidos no território europeu, classificando os atos como Necropolitics.
Utilizado para descrever o manuseio perverso do poder político, ditando consequentemente quem vive e quem morre, Necropolitics, relaciona-se também com a criação de fronteiras que visam dividir etnias, classes sociais, ou géneros, sendo estas empreendidas no caso acima descrito, através da nacionalidade e da classe social dos indivíduos que buscam asilo em território espanhol.
À luz do desespero dos refugiados, Espanha não se pronuncia sobre o tópico em questão, negligenciando todos aqueles que solicitam pedidos de ajuda, enquanto os mesmos permanecem a aumentar. Contudo, ambos os países refugiam-se num acordo com três décadas que permite que as autoridades espanholas retornem a Marrocos, todos os adultos que atravessarem a fronteira ilegalmente.
Já as autoridades locais afirmam que o governo espanhol não está a disponibilizar meios suficientes para mitigar o problema, ao passo que o flagelo vivido pelos migrantes passa também pelos mais jovens, e a situação onde as crianças se encontram à chegada do território espanhol é também precária. Estas são raramente classificadas como menores e podem assim ser retornadas ao seu país de origem. Tidas como adultos, as crianças não possuem qualquer vigilância e são colocadas a dormir no chão juntamente com os demais refugiados.
Posto isto, durante o ano de 2023, 6618 indivíduos morreram tragicamente nas rotas marítimas de acesso a Espanha, onde 84 embarcações foram totalmente destruídas, excedendo o número de pessoas que se poderiam encontrar abordo. Estes números correspondem a 363 mulheres, 384 crianças sendo equivalente a 18 pessoas por dia, a morrerem nas corretes dos mares e oceanos que atravessam.
Muitas vezes obrigados a abandonar as suas casas devido a guerras, fome ou até desafios económicos, estes migrantes são recebidos sem nenhum tipo de reconhecimento, solidariedade, nem mesmo apoio sanitário.
Fontes Adicionais:
EU action to manage irregular arrivals in Spain - consilium. Conselho Europeu. (n.d.). https://www.consilium.europa.eu/en/policies/eu-migration-policy/western-routes/
Four decades of cross-mediterranean undocumented ... The UN Migratory Agency. (n.d.). https://publications.iom.int/system/files/pdf/four_decades_of_cross_mediterranean.pdf
Humanitarian action and diplomacy. Humanitarian action. (n.d.). https://www.exteriores.gob.es/en/PoliticaExterior/Paginas/AccionHumanitaria.aspx
Mediterranean monthly report: Migrant arrivals reach 7,168 in 2020; deaths reach 77. International Organization for Migration. (n.d.). https://www.iom.int/news/mediterranean-monthly-report-migrant-arrivals-reach-7168-2020-deaths-reach-77
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