Mais de 915 000 pessoas fugiram para o Bangladesh para escapar à violência em Myanmar.
(Fonte: care)
As barreiras observadas à capacidade dos agentes humanitários em prestarem auxílio à população Mianmarense têm sido as mesmas que restringem os indivíduos locais do acesso aos cuidados de saúde: conflitos armados, subdesenvolvimento e marginalização de grupos étnicos minoritários.
O Estado de Rakhine, localizado na zona ocidental do país e que faz fronteira com o Bangladesh, enfrenta atualmente uma grave crise de direitos humanos e segurança, resultado dos Rohingya – minoria étnica muçulmana que reside nas zonas setentrionais do Myanmar – não serem reconhecidos como um grupo étnico oficial, mas como estrangeiros. Como consequência, e pela lei da cidadania de 1982, estes têm sido impedidos de votar, enfrentando diversas limitações à liberdade de circulação, no acesso à educação e aos cuidados de saúde, e sofrendo forte discriminação e repressão religiosa, económica e social, numa situação relatada pela Amnistia Internacional como um verdadeiro “apartheid”.
A ONU, bem como os Estados Unidos, têm descrito a postura do governo como uma tentativa de limpeza étnica, onde , em 2012, várias unidades militares colocaram 140 000 Rohingya em campos de internamento, enquanto em 2017 uma brutal campanha de violência destruiu centenas de aldeias e desencadeou um êxodo em massa para o Bangladesh.
Como resultado, foram criados em 2018 centros de recepção e de transição para acolher temporariamente os refugiados, observando-se que, no final do mesmo ano, nenhum refugiado regressara a casa através dos canais oficiais, registando-se inclusive tentativas de fuga e de suicídio aquando do anúncio de possíveis regressos forçados no fim do mesmo ano.
A China, com interesses económicos e geoestratégicos em Myanmar - e no estado de Rakhline em particular - tem exercido especial influência e pressão diplomática no incentivo a retornos limitados por parte do Bangladesh. Aos que querem regressar, no entanto, observa-se que os locais de origem se encontram profundamente destruídos, dificultando o seu retorno, enquanto os que ficam enfrentam uma grave crise de segurança e de direitos humanos, que desencadearam uma crise humanitária. Classificado como o segundo estado mais pobre de Myanmar, Rakhine conta com uma taxa de pobreza de 75% e com uma restrição ao desenvolvimento de todos os setores elementares capazes de proporcionar condições mínimas de sobrevivência.
A junta militar que governa o país tem também sido alvo de ataques por vários grupos étnicos opositores do exército, cortando o acesso rodoviário à China como forma de dificultar o comércio entre os dois países, e obrigando a que mais de 50 mil pessoas fossem deslocadas. São mais de uma dúzia de grupos étnicos armados ativos nas regiões fronteiriças do país, lutando pela autonomia política mas também pelo controlo dos recursos naturais, e destacando-se por treinarem e armarem grupos de oposição política espalhados pelo país.
Do lado de Pequim, têm sido constantes os exercícios de fogo, pretendendo garantir prontidão por parte do Exército Popular de Libertação em caso de emergência, bem como segurança na fronteira.
Exército Chinês anuncia exercícios militares junto à fronteira com Myanmar
(Fonte: O Observador)
Não obstante a atenção e as criticas provenientes da comunidade internacional após a crise dos Rohingya, com pedidos de ações que visem terminar com a perseguição e violência que assolam esta minoria étnica, torna-se clara que a resposta internacional está limitada à geopolítica, incluindo não só o papel da China, mas a posição da ASEAN.
Estrategicamente importante no que aos seus recursos naturais e potencial económico dizem respeito, a posição do Myanmar requer contenção por parte da China, que não pretende colocar em causa os seus interesses políticos e económicos na região. Depois, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) tem tradicionalmente seguido uma política cautelosa no que concerne aos assuntos internos dos seus membros, focando-se em meios diplomáticos alternativos. A tendência da ASEAN em “normalizar” o governo militar, aliada às outras crises internacionais que requerem atenção internacional – como a guerra na Ucrânia ou o conflito entre Israel e a Palestina - têm-se revelado um entrave à implementação de medidas capazes de surtir efeitos.
Assim, compreende-se que a imposição de sanções económicas diretas por parte de governos ocidentais pode ter consequências que não as desejáveis, afetando uma população que, por si só, já faz face a uma realidade extremamente adversa. Com um carácter complexo e multifacetado, a crise do Myanmar envolvendo fatores históricos e questões étnicas, religiosas e políticas bastante delicadas, cabendo à comunidade internacional encontrar uma solução pacífica para um conflito que se avizinha duradouro.
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