As relações entre a Turquia e a Grécia são marcadas por uma longa caminhada, repleta de conflito, ódio e questões étnicas e religiosas.
Podemos dizer que ambos os povos foram mudando de situação, sendo que durante partes diferentes da história o território atual da Turquia foi ocupado por entidades que viriam a modelar a nacionalidade grega, como foi o exemplo do império bizantino, que ocupou a então província da “Anatólia” durante séculos.
Por outro lado, com a consequente queda do império Bizantino no ano de 1453 (ano da queda da cidade de Constantinopla, hoje a cidade turca de Istambul) o então Império Otomano viria a dominar o território grego até 1830, aquando do reconhecimento da independência da Républica Grega por parte do Império Otomano. Esta independência depreendeu-se com o aumento de nacionalismo na região, culminando num conflito armado entre as duas forças.
Esta breve contextualização histórica serve dois propósitos: em primeiro lugar, explicar as origens de uma rivalidade que ultrapassa séculos e, em segundo lugar, demonstrar aquilo que entendo como uma particularidade da relação entre estes dois países que é o facto de a relação de poder entre os dois ser determinada pelo contexto histórico, sendo que a relação ocupante-ocupado foi mudando ao longo dos vários períodos históricos.
Será possível sarar as feridas do passado? Qual é o futuro das relações bilaterais entre os dois países, uma de cooperação ou de antagonismo sem fim? Estas serão as principais questões que irei tentar responder neste artigo, mencionando também os vários conflitos em que se envolvem, os desenvolvimentos mais recentes nas relações de ambos (a partir do séc.XXI) e a forma como os desastres naturais aproximam Atenas e Ancara.
Como referi, o estado moderno grego estabeleceu-se no início do século XIX com o aumentar das tensões entre ambas as partes. Isto foi motivado tanto por questões de um aumento do nacionalismo grego, como por motivos religiosos (existia um grande entusiasmo cristão de combater a influência islâmica presente na sociedade grega da altura, quase que como uma cruzada moderna).
Por outro lado, o estado moderno turco tem a sua formação no pós primeira grande guerra. No rescaldo da mesma, inicia-se um novo conflito entre ambos em 1919, que acaba em 1923 com as vitórias do general Kemal Ataturk, expulsando as forças invasoras gregas das regiões costeiras turcas. Ataturk é hoje uma figura histórica de grande importância e respeitada pelos turcos, sendo considerado o “pai da Turquia moderna”. Alguns destes territórios ainda hoje são disputados por ambos, como é o caso de diversas ilhas no mar egeu.
O conflito foi também marcada por questões étnicas, já que ambos os lados tiveram processos de limpeza étnica nos seus respetivos territórios.
Mais tarde, durante as décadas de 60 e 70, as relações entre ambos voltaria a ser posta em causa. Desta vez, não seria através de um conflito direto, mas, pela pequena ilha do Chipre. Novamente, devido a questões étnicas, ambos os lados queriam proteger os seus nacionais. Isto resultou na divisão da ilha em duas partes, uma a sul, controlada pela comunidade internacional (liderada pela Grécia) e uma a norte, patrocinada pela Turquia. Ambos iriam acabar por meter as culpas do conflito na outra parte.
A relação seria tumultuosa até que, em 1999 as forças da natureza acabaram por intervir. Digo isto porque, nesse ano, em luz de dois desastrosos terramotos que abalaram ambos os países foi iniciada uma tentativa de reaproximação de ambas as partes, tendo sido criados vários mecanismos de diálogo e intermediação.
Estes diálogos tiveram três pilares:
O desenvolvimento de cooperação bilateral em matérias que não são disputadas por ambos, tais como: economia, comércio, turismo e cultura;
O aliviar de tensões militares, através da adoção de medidas que trouxessem confiança às forças militares de ambos os países;
Tentativa de chegar a acordo quanto á delimitação da zona económica exclusiva (em caso de não haver acordo, este ponto seria remetido ao Tribunal Internacional de Crimes de Guerra).
Em outubro de 2009 houve novos esforços de cooperação, resultando na criação do High-Level Cooperation Council (HLCC) em 2010. Este instrumento é especialmente fundamental nas relações comerciais dos dois países, já que entre 2010 e 2014 o volume comercial duplicou entre os dois países. Atualmente, o investimento direto grego na Turquia ultrapassa os 6,8 mil milhões de dólares; enquanto o investimento turco chega aos 500 milhões de dólares.
Hoje, as visitas diplomáticas são mais recorrentes entre os chefes de estado dos dois países, tendo especial importância a visita de Erdogan em 2017 a Atenas, já que esta foi a primeira visita oficial entre os chefes de estado da Grécia e Turquia desde 1952.
Apesar de haver um maior nível de cooperação, as tensões voltaram a subir entre os dois países em 2021 e 2022, fruto da violação das águas territoriais e do espaço aéreo grego por parte das forças militares turcas.
Mesmo tendo ambos os chefes de estado reunido em março de 2022 em Istambul, onde declararam querer evitar o escalar de tensões, estas só iriam parar de aumentar em fevereiro de 2023. Caso não se recordem, é nessa altura que a Turquia é atingida por uma série de terramotos que chocam o mundo pela sua violência. Isto dá início a uma nova era de colaboração entre os dois países, uma que teremos de esperar para ver até onde os leva. Mais recentemente, a 7 de dezembro de 2023 ocorreu o quinto concelho de cooperação de alto nível (“5th High-Level Cooperation Council”), onde foi assinado uma declaração de amizade entre os dois países.
Fig1. - 5th High-Level Cooperation Council, 2023
Mas a questão persiste, até quando serão necessários desastres naturais para que haja o fortalecer das relações grego-turcas?
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