A Guerra na Ucrânia, a ascensão da China, a provável reeleição de Donald Trump nos EUA e o conceito de “autonomia estratégica” delineado por Emmanuel Macron voltaram a trazer à tona um debate com décadas no âmago da União Europeia: uma defesa comum da UE ou, de forma simplificada, um Exército Europeu, seja como substituto ou como complemento à própria NATO. Mas será que algum dia isto sairá do papel?
Fonte: Friends of Europe
A primeira tentativa gorada de criar aquilo que era então conhecido como “Comunidade Europeia de Defesa” deu-se no início dos anos 50 por proposta do então primeiro-ministro francês René Pleven e o seu Plano Pleven que consistia na criação de um Exército Europeu unificado, composto pelos seis países da Europa Ocidental que viriam a fundar a CEE anos depois. Este ambicioso plano acabou por ser chumbado pela Assembleia Nacional francesa em 1954, colocando assim a ideia de algo semelhante a um exército europeu em stand-by durante décadas, sobretudo durante o período que antecedeu o Tratado de Maastricht e a criação da atual UE.
Em 2009 o Tratado de Lisboa instituiu a Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), ao abrigo do qual os Estados-membros estão obrigados a defender-se mutuamente em caso de ataque. A PCSD prevê o destacamento de missões militares e civis de manutenção da paz em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas, fora das fronteiras comunitárias.
Dentre as agências que compõem a Política Comum de Segurança e Defesa, consta a Agência Europeia de Defesa (EDA na sigla em inglês) que precede e entrada em vigor do Tratado. No entanto, a PCSD e a EDA não almejam a formação de uma força armada unificada no seio da UE. Aliás, a própria EDA explicita que o seu objetivo não passa por aí, mas sim pela colaboração entre Estados-membros, gastos militares prudentes ou exercícios militares conjuntos.
Recentemente o ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani, apelou à criação de um Exército Europeu, alegando “um papel na manutenção da paz e prevenção de conflitos”, a “existência de players poderosos como os EUA, China, Índia e Rússia” e “as crises no Médio Oriente e no Indo-Pacífico” como as principais razões que justificam a necessidade de um Exército comum aos países da UE.
No entanto, foi sobretudo a agressão russa e o eclodir de uma Guerra às portas da UE que fez reacender o debate entre os líderes europeus, com a Finlândia e a Suécia inclusive a quebrarem a sua extensa tradição de neutralidade militar e a solicitarem a adesão à NATO, entretanto aceite a ratificada pelos demais países integrantes.
Outra razão invocada é a (muito) provável eleição de Donald Trump como presidente dos EUA e que, devido à sua pouca simpatia pela NATO e ideias isolacionistas, deixaria a Europa desguarnecida a nível de segurança. Mais recentemente, Trump proferiu num comício uma declaração que provocou sobressalto na Europa, dizendo que “encorajaria” a Rússia a fazer “o que quisesse” (sic) com os países-membros da NATO que não atingissem a meta de 2% de investimento em Defesa. Em 2024, apenas 18 dos 31 países que compõem a Aliança Atlântica conseguirão atingir este valor.
Fonte: Washington Post
Entra ainda em equação o desejo de Emmanuel Macron em ver a UE adquirir “autonomia estratégica”, conceito vastamente repetido e enfatizado pelo Presidente francês desde que chegou ao Palácio do Eliseu em 2017 e que inclui, entre outros aspetos, autonomia militar.
Em visita à China no ano de 2023, Macron causou controvérsia ao afirmar que não pretendia que os países europeus se comportassem como “vassalos” dos EUA em vez de aliados, e que não queria ver a Europa “arrastada” pelos americanos para um conflito militar devido a Taiwan. O chefe de Estado francês sublinhou ainda que “o grande risco” para a Europa seria “ser apanhada em crises que não são nossas (sic)”, numa clara referência aos EUA e à enorme pressão que exercem sobre a política externa da União.
Fonte: France 24
No entanto, a criação de um Exército a nível europeu parece uma possibilidade extremamente remota. Em primeiro lugar, os Estados-membros não estariam dispostos a abdicar de um dos principais pilares de qualquer Nação soberana e independente: a Defesa nacional, sobretudo tendo em conta que a União Europeia não é um Estado e portanto não goza do direito de possuir Forças Armadas próprias. Para o mainstream político europeu, predominantemente composto por não-federalistas, a Defesa é e deve permanecer competência exclusiva dos Estados.
Em segundo lugar, o crescimento de forças populistas e eurocéticas, que em alguns casos demonstram ter uma proximidade aberta a regimes hostis à UE – como a Rússia - e que iriam atuar como forças de bloqueio na consecução desse objetivo - nomeadamente Hungria e Eslováquia.
Em terceiro e último lugar, a ausência de uma política externa comum na verdadeira aceção da palavra. Isto deixa em evidência as diferentes prioridades e abordagens, tanto diplomáticas quanto militares, de cada um dos 27 Estados-membros. Tal falta de unanimidade foi e é notória em dossiês como o envio de material bélico à Ucrânia, a condenação ou apoio a Israel e as políticas de migração e asilo.
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