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A cultura pop japonesa como fonte de soft-power

Foto do escritor: Catarina CoimbraCatarina Coimbra
Fonte: Context Travel

Desde 1990 que é possível observar um crescimento exponencial da globalização, algo que torna, de certa forma, o uso do soft-power crucial para a diplomacia e política externa dos vários Estados. O conceito de poder pode definir-se, de forma simplista, como o ato de controlar outros de modo a fazerem o que nós desejamos, assim Joseph Nye utiliza pela primeira vez, em 1990, o conceito de soft-power em oposição ao conceito do tradicional hard-power, definido pela coerção através da capacidade militar e meios económicos. O soft-power é constituído por aspetos culturais, que atraem a atenção internacional, valores políticos, que são desejados e vistos como exemplo, e política externa, como fonte de legitimidade e autoridade. Esta face do poder vai determinar a tomada de decisão dos atores internacionais, que vão internalizar os valores e padrões de comportamento de quem desempenha o poder, e vai corresponder a um ambiente de cooperação. Nye compara a utilização do hard-power e soft-power às relações parentais: um ambiente de repressão para com os filhos pode resultar de imediato mas a longo prazo vai se mostrar ineficaz e levar a que as ações se virem contra os pais, porém, se os pais conseguirem formular as crenças e prioridades das crianças desde cedo podem mantê-las sobre o seu controlo. Nenhuma destas formas de poder mostra-se superior à outra, contudo a capacidade de controlo a nível internacional apenas por meio de uma cultura forte e atrativa é louvável e constatável em diversas potências mundiais, dentre as quais destaco o Japão.

Com a derrota do Japão e a vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial e as consequentes sanções e restrições fortes no que toca à utilização de poder bélico e militar, de modo a evitar um potencial conflito tão ou mais destrutivo, e também graças aos traumas na população japonesa causados pelo bombardeamento de Hiroshima e Nagasaki, o Estado japonês viu-se obrigado a desenvolver o soft-power como meio de ascensão e criação de relações amigáveis pelo globo. Sendo o Japão uma ilha localizada no Oceano Pacifico, devido à falta de fronteiras terrestres, Shigeru Yoshida – primeiro ministro em 1946-1947 e 1948-1954 – considerava que as relações económicas e comerciais seriam o primeiro passo para a criação de boas relações diplomáticas e para o crescimento do país. Na década de 70, após ser alcançada uma grande estabilidade económica e reforçar as suas relações comerciais com a Ásia Sudeste e os EUA, foi possível centralizar esforços em termos culturais na sua política externa e diplomacia, com a criação de instituições de ensino da língua japonesa e intercâmbio como a Japan Foundation – sob jurisdição do Ministério dos Negócios Estrangeiros – e o Japan Exchange and Teaching Programme.

A década de 90 representa o “boom” da cultura japonesa pelo mundo, principalmente devido ao fim da Guerra Fria, que permitiu que diversos novos Estados integrassem o mercado global, e também, graças ao desenvolvimento dos media, que permitiram uma maior e mais rápida circulação de produtos e produções audiovisuais japoneses, deixando de estar limitadas ao seu país de origem e ao sudeste asiático. O estabelecimento da Japan Media Communication Center, em 1991, refletiu uma maior presença do Japão nos países ocidentais devido à criação de conteúdo para todas as idades, de forma gratuita e em diversos idiomas. 

A unicidade de conteúdos culturais como mangá e anime, o desenvolvimento da área dos videojogos, e a sua grande atratividade a nível internacional levou a que, nos anos 2000, começasse a ser introduzido na política externa japonesa o Projeto Cool Japan, uma parceria público-privada baseada em gerar turismo, empregar jovens designers estrangeiros em pequenas e médias empresas e revitalizar pequenas comunidades locais. Os mangás e animes rapidamente se tornaram as bandeiras do projeto: o primeiro por, desde o século XII, ser uma representação única da história e cultura japonesa, evoluindo de reproduções banais de elementos da fauna e cultura religiosa, para uma arma política contra o imperialismo japonês, até se transformar numa forma de entretenimento das massas com conteúdos diversos; e o segundo por ser uma adaptação audiovisual dos mangás.

As produções da Toei Animation e Studio Ghibli foram, e são até hoje, “rivais” da Walt Disney Studios pois, ao contrário deste, as animações japoneses não se dirigiam apenas a crianças mas também a adultos, tendo assim um público alvo abrangente, retratando uma variedade imensa de temas, categorias e abordagens. É de constatar que a cultura otaku – nome usado para denominar o interesse especial por anime e mangá – trouxe consequências no que toca ao turismo, tanto pelo desejo de visitar as cidades representadas nas animações, bem como pelo desejo de estudar o idioma

Hoje em dia o Japão deixou de ser proprietário do monopólio do soft-power asiático com a ascensão cada vez maior da Hallyu – também designada Korean Wave – e por um aparente reforço da cultura chinesa pelo mundo. Não obstante, a cultura popular japonesa acarreta em si um peso político, social e histórico, pensada criativamente e usada de forma estratégica pelo governo de modo a marcar presença de forma natural, muitas vezes imperceptível, por toda a aldeia global.

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